domingo, 18 de setembro de 2011

- Às vezes tenho medo de dormir.

- Por quê?

- Tenho sonhado coisas e elas estão acontecendo. Não exatamente da mesma forma, mas muito parecidas.

- Premonição?

- Sei lá que diabos é, mas isso é esquisito.

- Não tenha medo.

- Como não ter medo se acontece?

- Acredita em mim. Não tenho como explicar, mas não fica com espécies de medo esquisitas.

- Tá bom, vou acreditar. Obrigado por me ouvir, você sempre me ouviu. Talvez eu nunca tenha dito isso, mas você (na verdade) sempre acreditou nas coisas que eu dizia.

E foi assim que eles desligaram o telefone, uma mistura de falta do que não houve com falta do que passou. O dia estava bonito, mas ela já não sentia mais nada, nada além de uma sensação cortante. A frase dele dava eco, como se a cabeça dela fosse um corredor escuro, úmido, sem gente, com muito gelo derretendo nas paredes, o chão pegajoso, a lembrança de ressaca.

- Fala.

- Falo.

- Então fale.

- Tô cansada, queria desaparecer. Só por uns dias.

- TPM?

- Não, não é. É um silêncio constante que impede até mesmo a minha memória de caminhar.

- Não entendi a sua frase.

- Nem eu, esquece.

- Sinto saudade.

- Tenho que desligar.

Era assim. Quando a coisa apertava ela dava um nó mais forte, saía. Saudade, saudade, saudade. Palavra bonita, ninguém sabe ao certo o significado. Mas saudade tem um tom de dor maior.

- A gente foi mesmo feliz?, a pergunta ficou entalada, ela tinha medo da resposta. A felicidade não pode ser medida, diziam.

Próximo assunto. Ela anda sem assunto, apesar de muitos acontecimentos. Cansada, sem vontade de abrir a boca e falar da vida. A vida dá um trabalho e tanto, falar seria um trabalho ainda maior. Chega de abobrinhas, chega de armários vazios, chega daquele vazio e daquele corredor que dava eco, um eco escuro, úmido, não, não era o eco escuro, era o corredor escuro, a mente dela também estava ficando escura e ela nem percebia qual era o real problema. Como pessoas tão próximas podem se tornar tão distantes de uma hora para a outra, sem data definida para isso acontecer, sem que a gente queira que aconteça, sem que o acontecimento seja intimamente desejado por tudo e todos e como a gente pode não sentir nada, nem mesmo vontade de abrir a boca e fazer perguntas, nem mesmo nada de nada por alguém que um dia teve uma importância vital e quase cruel em nossas vidas?

Aquele dia. Aquele dia que nem era bem um dia e sim uma noite, aquela noite em que ela viu pela primeira vez aquele que ela achava que seria talvez quem sabe simplesmente aquele. Aquele que ela iria amar e toda aquela coisa que vem junto quando a gente ama e ela nem sabia direito como era tudo aquilo. Aquela noite, aquela sim, aquela ela tem certeza que valeu por qualquer mágoa que tenha chegado de ônibus, avião, trem, qualquer coisa. Saudade do quê? Ele ouvia, mas não a escutava. Ela falava, mas não se fazia entender. Mas ela o ouvia atentamente, disposta a solucionar ou comprar alguma solução em supermercado, armazém, farmácia ou seja lá o que for, ela estava disposta a ajudar e auxiliar e fazer e tudo. Talvez tenha sido justamente o maior erro de todos: o de querer sempre resolver. Ela não conseguia dormir se as coisas não estivessem resolvidas, tudo tinha que estar nos conformes e se não estivesse ela inventava qualquer lógica que depois seria aceita e usada pelas pessoas ao redor. E hoje ela olhava ao redor e não via nada, nada além daquele silêncio que deixava tudo quieto.

- Os seus silêncios sempre me incomodaram, me machucaram.

- Você nunca me disse.

- Você sempre esteve fechada em um mundo no qual eu não tinha convite.

- De certo a minha vida sempre foi uma festa particular. E solitária.

Não, ele não entendia. Os silêncios são importantes, nos fazem amadurecer - pelo menos era o que ela pensava. Ele nunca conseguia alcançar o seu pensamento, não entendia muito bem a sua ironia, nem tentava entrar de penetra na sua festa vip. Já não sentia nada, nada além de um leve desconforto por ver que as pessoas se aproximam e vão embora, sem deixar qualquer coisa que traga uma sensação de vida.

Não era pra ser assim, pensava. A gente sempre tem uma idéia de como tudo tem que ser, expectativas, meu bem. Criações mentais que viram ruminações que viram insônia que viram perda que viram mágoa que viram saudade que vira nada. Um dia tudo vira nada, por mais belo que tenha sido. De vez em quando os sonhos é que são bonitos, as projeções que são românticas, o tinha-que-ser que dá um gosto de eu-quero-mais-uma-vez.

- Tá feliz?

- Tô. E você?

- Não sei. A vida tá boa, mas me falta você.

Tudo mentira. Se faltasse a imagem dela e a figura dela e o amor dela e o sentimento dela e o café dela e as manias dela ele não teria feito com que ela perdesse todo aquele amor que, um dia, ela teve.

- Durma bem.
 
 

5 comentários:

Lara Mello disse...

Nossa! Acho que foi um dos melhores texto que já vi aqui, fiquei sem palavras, pois me vi muito nesse texto..

Andressa Tavares disse...

poxa.. não tem como não falar um palavrão com um texto desse D:

CA RA LHO.
muito perfeito!

Anônimo disse...

Bom demais ler isso aqui querida! :D

Luna Sanchez disse...

Lindo, Bárbara, lindo!

E quanto à pergunta "A gente foi mesmo feliz?", acho-a perigosa e cruel pois como diz Guimarães Rosa, "Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura."

Um beijo.

Anônimo disse...

Priiima tem selo pra tu na minha pagina beeijao
te amo amoor meu

laaaaari Barbosa